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A SAUDADE É A NOSSA ALMA DIZENDO PARA ONDE ELA QUER VOLTAR...

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

A minha casa.



Pela primeira vez na vida, tenho uma casa só para mim. E sorte das sortes encontrei uma que tem personalidade e consequentemente qualidades e defeitos marcados.
A minha casa é semi-velha a fazer de conta que é nova, é por assim dizer como uma starlette hollywoodesca que nunca chegou realmente à fama mas que com intuito de se manter jovem(porque nunca se sabe quando é que o produtor certo nos bate à porta), se foi sujeitando a recauchutagens praticadas por cirurgiões manhosos que a deixaram com um sorriso permanente e a quase impossibilidade de fechar os olhos.

Digamos, em termos quase práticos, que: sofre de humidade nos ossos, o que a leva a descascar as paredes; tem poucas janelas o que a deixa muito rabugenta, especialmente ao crepúsculo; tem tomadas que vão pela máxima "is better to burn out than to fade away" (o que leva a que seja díficil ligar a máquina de sumos recebida no natal dentro da cozinha e não me parece apropriado tê-la no quarto) e ainda por cima sofre de obstipação na sanita, este sim o problema mais grave de todos.

Ao mesmo tempo encantam-me outras das suas características; em primeiro lugar o facto de ser circular, podemos percorrer a casa toda sem voltar atrás porque nos deparamos com uma parede, há sempre uma porta (ah, mesmo que as fechaduras não funcionem muito bem e que se corra o risco de ficar preso na casa-de-banho, coisa sem demais de importância se formos a ver, estamos avisados, se fecharmos as portas é porque somos tolos!); depois adoro o facto de ter um quarto interior, exactamente no coração da casa, que tem uma janela maravilhosa... para a sala, mas não é uma janela qualquer, esta dá vontade de espreitar lá para dentro porque tem um ar atrevido e orgulhoso, de janela que se está bem marimbando para o facto de não se virar para a rua. Também temos a questão dos interruptores espalhados pela casa que aparentemente não servem para nada, pois por mais que lhes carreguemos não acendem nem apagam nenhuma luz que se possa ver, mas eu gosto de pensar que na verdade eles estão a funcionar noutra casa qualquer, e que sem querer estou a apagar a luz ao senhor que lê o jornal no sofá da sala ou a acender a luz àquele casal de adolescentes que se esgueirou para casa dos pais dela e que planeava fazer amor às escuras.

Mas o que mais gosto nesta minha casa é a possibilidade de conversas infinitas que ela proporciona. Sim, obviamente eu tenho algum peso aqui, sou actuante nestas conversas; ninguém vem para cá falar para as paredes com humidade, falam comigo; mas acho que esta minha casa tem um aconchego muito especial e uma respiração que facilita as palavras.

Abençoada casa com uma cozinha onde já se desfiaram memórias, histórias e pedaços de nós, onde se partilharam silêncios e olhares de uma beleza cansada enquanto se fumavam cigarros; bendita sala onde se pode ouvir aquela música que só nos apetece às três da manhã, sem acordar o mundo que habita dois andares acima e onde, com generoso vinho, se receberam os amigos; profano quarto com esquadria estranha e cama alta e impune, onde o brilho e a surpresa do teu olhar me fizeram enredar no teu cabelo.

Gosto desta minha casa...

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